Estima-se que 1% da população mundial tenha esquizofrenia. A doença, segundo a mesma estimativa, atinge cerca de 3,5 mil francanos. Caracterizada por delírios e alucinações, a esquizofrenia pode ser tratada e seus sintomas diminuídos, proporcionando aos pacientes, principalmente os casos leves, uma vida bem próxima do que é considerado normal pela sociedade.
Em Franca, os pacientes com esquizofrenia podem procurar atendimento no CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) III Florescer. Administrado pela Fundação Espírita Allan Kardec, em parceria com a Prefeitura Municipal, o equipamento oferece tratamento gratuito às pessoas com a doença e sua família.
Na entrevista a seguir, o médico Daniel Daher Benedetti, psiquiatra do CAPS, ajuda a desmistificar a doença, explica suas possíveis causas e como é seu tratamento, destaca a importância da família nesse processo e informa como a população pode procurar atendimento.
O que é a esquizofrenia?
Dr. Daniel Benedetti: A esquizofrenia é uma doença mental crônica, caracterizada por delírios, que são uma crença alterada da realidade. A pessoa acredita que é uma coisa real e, apesar de várias evidências demonstrando que aquilo não é real, a pessoa mantém essa crença. E (caracterizada) também por alucinações, que são vivências dos sentidos, vivências sensoriais de coisas que não existem. São, por exemplo, ouvir vozes ou ver vultos. As alucinações mais frequentes são as auditivas, ouvir vozes, e as segundas mais frequentes são as visuais. Mas também podem existir alucinações gustativas, olfativas ou táteis. E além desses delírios e alucinações, a doença traz prejuízos sociais, prejuízos ocupacionais e prejuízos de autocuidados também. Para ser diagnosticada com esquizofrenia, a pessoa tem que ter esses sintomas por um período prolongado de tempo. Não é uma coisa pontual. É uma doença crônica.
Ela pode afetar a todos ou existem públicos específicos que são acometidos pela esquizofrenia?
Dr. Daniel Benedetti: É uma doença que, geralmente, se inicia entre os 15 e os 40 anos de idade, nesta faixa de idade mais ou menos. Mas, a princípio, pode afetar a todos. Pode afetar mesmo pessoas que nunca tiveram histórico de doença mental. Em alguns casos, a pessoa já vai apresentar, na adolescência ou na infância, mais isolamento social, um comportamento mais excêntrico e peculiar, mas em outros casos, não. Em alguns casos, a pessoa inicia a doença com histórico de ter sido completamente normal, até então. O histórico familiar de esquizofrenia aumenta bastante a chance de a pessoa desenvolver a doença. Aí tem um componente genético muito importante, também. Mas a pessoa pode também desenvolver esquizofrenia sem ter histórico familiar algum. E, portanto, qualquer pessoa pode acabar desenvolvendo esquizofrenia, principalmente nesta faixa de idade.
Quais são as causas? São genéticas? Ou fatores externos podem influenciar no desencadeamento da doença?
A causa da doença não é completamente conhecida. Se sabe que a genética tem um fator importantíssimo. Existem estudos que demonstram que gêmeos com carga genética idêntica, os gêmeos idênticos, quando um tem esquizofrenia, o outro tem 50% de chance de ter esquizofrenia. O que indica que a genética é um fator importantíssimo, mas também indica que não é o único fator. Porque se fosse o único fator, a concordância entre os gêmeos iria ser de 100%. Acredita-se também que fatores ambientais podem influenciar no surgimento da doença, especialmente em pessoas que são geneticamente vulneráveis. Exemplos de alguns fatores ambientais seriam traumas emocionais, uso de drogas… Há também os pacientes que têm parentes de primeiro grau esquizofrênicos, que têm cerca de 10% a 15% de chance de desenvolver a doença. Então, há fatores genéticos e também, possivelmente, fatores ambientais que possam influenciar na causa da doença.
As pessoas tendem a ligar os casos de esquizofrenia a grandes traumas emocionais. Existe realmente alguma relação?
Dr. Daniel Benedetti: É frequente a história de traumas emocionais na vida de um paciente que tem diagnóstico de esquizofrenia. Às vezes, o primeiro surto psicótico, o primeiro surto com delírios e alucinações do paciente, acontece em um contexto de um grande trauma emocional. Então, eu acredito, sim, que tenha uma relação, e entra nessa questão dos fatores ambientais para desenvolver a doença. Mas só o fator ambiental não é suficiente. Tem que ter uma vulnerabilidade genética, uma pré-disposição para desenvolver a doença.
Pessoas com esquizofrenia conseguem manter uma vida social?
Dr. Daniel Benedetti: A doença traz prejuízos importantes nas relações sociais dos pacientes, traz uma tendência ao isolamento, uma tendência a ter dificuldade de relações sociais. Mas, casos leves e casos com tratamento adequado podem ter relações sociais praticamente inalteradas, os pacientes têm círculo de amizade, chegam a se casar. Mas algum prejuízo em relação ao funcionamento prévio do paciente sempre vai ter. Na questão dos casos mais graves, às vezes, esses contatos sociais são mais prejudicados. Porém, com o tratamento adequado, pelo menos alguma melhora os pacientes costumam apresentar.
Quais os casos mais comuns que o senhor atende? Qual o principal perfil dos pacientes?
Dr. Daniel Benedetti: Eu atendo tanto pacientes no início da doença – normalmente, são pacientes mais jovens que começam a ter pensamentos delirantes, e vão se prolongando esses pensamentos por um longo tempo. Aí, a família costuma começar a desconfiar que tem algo de errado. E, às vezes, eles já abrem o caso com delírios e alucinações mais intensos. Assim, fica até mais fácil para a família perceber que há algo de errado. Também atendo casos que foram diagnosticados há muitos anos. Nesses casos, muitas vezes, a gente consegue melhorar bastante os delírios e alucinações. Mas ainda tem muito a se trabalhar com o paciente na questão de melhorar relações sociais, melhor a funcionalidade. E tem também, outra coisa que é muito frequente, a gente atender casos que estavam estabilizados e que o paciente abandona tratamento, voltando a ter os sintomas que apresentava antes, principalmente delírios e alucinações.
Existem estimativas de quantas pessoas estão diagnosticadas com esquizofrenia no mundo, no Brasil e em Franca?
Dr. Daniel Benedetti: A estimativa é que cerca de 1% da população tenha esse diagnóstico. Então, é uma a cada cem pessoas e, pensando Franca, com uma população de 350 mil habitantes, vai ter cerca de 3.500 pessoas com esquizofrenia.
Como é feito o diagnóstico e quais são os principais sintomas?
Dr. Daniel Benedetti: O diagnóstico é feito em consulta psiquiátrica. Às vezes, são necessárias várias consultas para fechar o diagnóstico. E é muito importante ter um familiar presente na consulta para a gente saber da história, não só pela perspectiva do paciente, mas também pela perspectiva do familiar. Não existe nenhum exame, exame de imagem ou exame laboratorial, que demonstre a presença da doença. O diagnóstico é pelo histórico, mesmo. E, como eu disse, os principais sintomas são as alucinações, delírios e prejuízos funcionais que a doença causa por um longo período de tempo.
O tratamento é feito com medicação, terapia ou ambos?
Dr. Daniel Benedetti: O tratamento ideal deve ser multiprofissional, mas sempre dependendo da necessidade individual de cada paciente. O tratamento medicamentoso sempre vai ser necessário, para evitar que o paciente tenha esses delírios e alucinações. Mas, muitas vezes, vão ser necessários outros tipos de tratamento no sentido de reabilitar o paciente a ter relações sociais, reabilitar o paciente, às vezes, para ter um emprego. Sempre, dependendo da possibilidade de cada paciente. Então, é muito importante o tratamento, dependendo da necessidade de cada caso, com psicólogo, terapeuta ocupacional, educador físico. Cada paciente vai ter a sua necessidade de profissionais, mas o remédio é sempre necessário, sim.
É alto o índice de sucesso do tratamento? Quais as principais dificuldades?
Dr. Daniel Benedetti: O sucesso no tratamento é relativo. Muitas vezes, a família nos procura com expectativa de que a gente vai curar a doença, e isso a gente não consegue oferecer para eles. Então, muitas vezes, a família e o paciente ficam frustrados. Mas com o tratamento adequado, todos os casos melhoram. Lógico que vai depender da gravidade da doença do paciente. Existem pacientes que vão ter muita melhora, existem pacientes que vão ter uma melhora menos significativa. Mas sempre melhoram. Porém, nunca voltam completamente ao normal como eram antes da doença, porque a esquizofrenia é uma doença crônica e não tem uma cura.
Qual a importância da família no tratamento?
Dr. Daniel Benedetti: A família é muito importante em vários momentos. Desde o diagnóstico, que é importante que tenha alguém presente na consulta também, para relatar os sintomas, desde quando aconteceram… Às vezes, o paciente vai ser completamente capaz de dizer isso. Mas é sempre bom ter outra fonte de informação. Como também a família é importante no decorrer do tratamento, porque podem existir momentos de crise que precise de suporte familiar. Podem existir casos de abandono do tratamento pelo paciente, nos quais a família ajuda muito a convencer o paciente a tomar o remédio, a verificar se o paciente está tomando o remédio. Também vão ter aqueles pacientes que são casos mais graves, que são completamente dependentes da família e que precisam estar sempre com um cuidador por perto. E existem pacientes que são mais independentes, que buscam o tratamento sozinhos, que trabalham, que se sustentam. Mas para todos os pacientes, até para os casos mais leves, é importante o apoio da família.
O que o CAPS oferece às pessoas com esquizofrenia e seus familiares?
Dr. Daniel Benedetti: O CAPS tem equipe multiprofissional composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, terapeuta educacional, assistente social, profissionais de educação física, e vai oferecer o tratamento completo, basicamente. Tanto atendimento individual, com cada um desses profissionais, conforme a necessidade de cada paciente, quanto realização de oficinas terapêuticas que são focadas na reabilitação, no aumento da funcionalidade dos pacientes, no aumento das relações sociais e no aumento da autopercepção em relação à doença.
Como procurar o atendimento do CAPS?
Dr. Daniel Benedetti: O CAPS funciona de portas abertas. Não é necessário encaminhamento para iniciar tratamento lá. A forma de iniciar tratamento é entrando em contato por telefone para marcar uma data de acolhimento ou mesmo comparecendo na unidade do CAPS III Florescer e procurar tratamento. Nós temos também em Franca o CAPS Renascer, que visa ao tratamento de dependência de álcool e drogas.
Onde recorrer a atendimento:
CAPS III Florescer
Rua da Concórdia, 41, Parque dos Pinhais – (16) 3727-1785
CAPS AD-III Renascer
Rua Cavalheiro Petráglia, 80, Vila Santos Dumont – (16) 3703-7780