Em muitos casos, a internação de pacientes com a Covid-19 ocorre por insuficiência respiratória. No entanto, antes de os sintomas aparecerem, o indivíduo pode estar sofrendo do que os médicos chamam de hipóxia silenciosa, condição em que a oxigenação sanguínea registra níveis alarmantes sem que o paciente perceba.
Isso faz com que algumas pessoas que, até então, apresentaram apenas sintomas leves da doença, tenham de ser internadas às pressas por problemas respiratórios súbitos. Porém, pode haver uma maneira de prever esse quadro. O segredo está na análise da voz dos doentes.
Um projeto chamado Spira (Sistema de Detecção Precoce de Insuficiência Respiratória por meio de Análise de Áudio) utiliza um sistema de Inteligência Artificial (IA) para comparar a voz de pessoas internadas por Covid-19 com indivíduos saudáveis. O estudo é conduzido por pesquisadores da USP.
Nas últimas três semanas, profissionais que trabalham diretamente no tratamento de pacientes internados no CTI e nos leitos de enfermaria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, coletaram amostras de voz dos doentes. Usando o WhatsApp, o áudio é gravado e enviado usando o smartphone dos próprios médicos do projeto.
Para manter um padrão específico, os pacientes são orientados a lerem a seguinte frase: “O amor ao próximo ajuda a enfrentar o coronavírus com a força que a gente precisa”. Até o momento, as vozes de 100 pacientes foram coletadas.
A comparação das gravações é feita com áudios gravados de pessoas saudáveis. Para isso, em paralelo ao projeto dentro do hospital, foi lançado um site para que indivíduos possam enviar suas vozes para que sejam analisadas e ajudem nos diagnósticos.
A participação é totalmente voluntária (pode ser feita no link)). Segundo a própria instituição, o processo leva poucos minutos para ser concluído e os dados coletados são tratados de maneira totalmente anônima. Mais de seis mil indivíduos já contribuíram com a iniciativa.
Coleta online
Após acessar o site, o voluntário é instruído a preencher um questionário com informações básicas, como idade e gênero. Em seguida, deve dizer se apresenta sintomas da doença (febre, tosse, dor de cabeça, falta de ar ou coriza) e se possui alguma doença crônica, como diabetes ou problema de pulmão. Por fim, o indivíduo deve gravar três frases para o banco de dados – incluindo a que é indicada para os pacientes.
Após as etapas, as amostras do áudio passam por um processo em que algoritmos do sistema de IA usam uma rede neural para compará-las. A ideia disso é permitir que o sistema aprenda sozinho a identificar alterações nas vozes de pacientes assintomáticos ou com sintomas leves. O objetivo é o de verificar se há alguma indicação de que possa acontecer algo que piore a condição clínica do indivíduo.
“Queremos captar alguma alteração que não se conheça ainda, mas que a rede neural consiga perceber”, informa Marcelo Finger, chefe do departamento de ciência da computação do IME-USP e um dos responsáveis pelo Spira.
Segundo ele, ainda será necessário passar por um processo de captação de 250 a 300 vozes de pacientes internados para que a rede neural consiga aprender o suficiente.
Com o treinamento concluído e havendo sucesso na tarefa de identificar características que antecipem uma possível insuficiência respiratória futura, o próximo passo é desenvolver um software capaz de realizar testes rápidos no público.
“Não se trata de fazer o diagnóstico de Covid-19 pela voz. O que queremos é saber se a pessoa precisa ou não ser internada. A ideia é ajudar na triagem de pacientes. Pediremos para a pessoa ler uma frase e vamos rodar em cima do áudio um método de diagnóstico, que provavelmente será rápido”, informa Finger.
Problemas na captação de áudio
No entanto, segundo o pesquisador, todo o trabalho enfrenta algumas dificuldades relacionadas à captação de áudio. “Não é fácil a coleta de dados dos internados: o hospital é barulhento, o paciente está sem óculos e não consegue ler a frase, a gravação é feita pelo celular. Do lado de quem grava em casa, nosso desafio é lidar com a infinidade de configurações de hardware e software no registro dos áudios. As condições estão longe do ideal, mas é o que dá para fazer neste momento”, desabafa.
Para compensar essas limitações, um trabalho de pré-processamento dos áudios será realizado. Uma das soluções encontradas, por exemplo, é a de equalizar o barulho de fundo do hospital. Com isso, ele pode ser o mesmo em todas as gravações, fazendo com que o programa consiga identificá-lo facilmente e, se for o caso, ignorá-lo.
A estimativa para obtenção dos primeiros resultados com o Spira é de três meses. Entretanto, um sistema de monitoramento voltado para o público deve demorar mais tempo para ficar pronto. Para Finger, por enquanto, o importante é conseguir desenvolver um projeto que tenha taxas de falso positivo menores que 14% e de falso negativo inferiores a 3%.
“Neste caso, o falso positivo é menos pior que o falso negativo. Ou seja, é menos grave a gente mandar para o hospital alguém que não precise do que deixar em casa alguém que precisa ser internado”, finaliza Finger.
*Matéria Olhar Digital
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