O objetivo do presente artigo é apresentar e discutir o impacto da pandemia do COVID19 na educação brasileira.
O Brasil e o mundo experimentam em 2020 uma pandemia. Um conceito que nossa geração conhecia apenas pela descrição do dicionário: “Pandemia significa epidemia que se dissemina por toda uma região. Doença infecciosa e contagiosa que se espalha muito rapidamente e acaba por atingir uma região inteira, um país, continente etc.”. (AURÉLIO, 2020).
O mundo, nos últimos quatro meses, vem conhecendo o sentido e os impactos da pandemia causada pelo novo coronavírus. O primeiro caso da pandemia pelo novo coronavírus foi identificado em Wuhan, na China, no dia 31 de dezembro do último ano, por isso, a doença foi registrada como COVID-19.
Desde então, os casos começaram a se espalhar rapidamente pelo mundo: primeiro pelos países da Ásia e da Europa e depois por todo o mundo. Atualmente, os países que concentram o maior número de casos são: os Estados Unidos da América, a Itália, a Espanha e a Alemanha.
O total de casos confirmados no mundo já ultrapassa 1 milhão e meio e o número de mortes registradas pela doença ultrapassa 100 mil. Em março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o surto da doença como pandemia, e já se identifica casos do COVID-19 em mais de 180 países do mundo.
No Brasil, a chegada do coronovírus se deu no dia 26 de fevereiro, mais especificamente no estado de São Paulo, pela comprovação positiva do teste em um homem de mais de 60 anos que tinha regressado da Itália. Não custou muito para a transmissão ser considerada comunitária tanto em São Paulo como em todo Brasil, que registra casos e mortes em todos os estados.
Em 27 de abril o Brasil registrava 66.501 casos confirmados e 4.453 mortes. Os números mudam em uma velocidade assustadora e a cada noticiário o panorama da pandemia no Brasil e no mundo vai apresentando novos infectados e muitas mortes. A maior parte das notificações no Brasil está em São Paulo, com 21.696 casos confirmados e 1.825 mortes.
A disseminação rápida do coronavírus, a falta de uma vacina e de um medicamento específico para tratamento, ou seja, a inexistência de cura da doença apontam no mundo inteiro para uma recomendação de isolamento social como estratégia para desaceleração do número de casos em um curto espaço de tempo e com isso os sistemas de saúde terem condições de atender o maior número possível de pacientes sem entrarem em colapso.
No Brasil a situação não foi diferente. Na segunda quinzena de março, os governadores dos estados e prefeitos de muitos municípios decretaram a paralisação de atividades em escolas, universidades, nas academias de ginásticas, cinemas, estádios de futebol, fechamento do comércio, ou seja, proibição de qualquer situação que causasse aglomeração de pessoas como forma de frear o avanço da COVID-19 no Brasil. Os únicos espaços que ficaram autorizados o funcionamento foram os supermercados, farmácias e restaurantes para atendimento delivery.
Com a paralisação das atividades em escolas públicas e particulares de educação básica e em universidades públicas e particulares entra em discussão uma nova forma de estudar: as aulas remotas e muito associadas à discussão do Ensino à Distância.
As escolas públicas no país ou anteciparam as férias de julho ou suspenderam as atividades escolares. Enquanto que as escolas particulares se readaptaram para a oferta de aulas remotas em que o professor de sua residência dá aulas e os alunos de suas residências assistem às aulas, utilizando as diversas plataformas online disponibilizadas para comunicação de pessoas neste tempo de pandemia. As universidades e faculdades particulares seguem a mesma lógica das escolas de educação básica e ofertam aulas online.
No campo da educação reaparece com bastante força a discussão da educação na modalidade à distância (EaD) em substituição à educação presencial.
A partir do contexto da pandemia COVID-19, e da necessidade do isolamento social, especificamente no que se refere à educação formal, o MEC institui várias medidas que tem caráter excepcional, que rebate de forma particular em cada nível de ensino pertinente a política de educação, tanto para as instituições públicas e privadas, destacamos algumas:
– a distribuição da carga horária em período diferente aos 200 dias letivos proposto pela LDB/1996;
– devido à suspensão das aulas, juntamente com o Consed e a Undime, estão buscando alternativas para destinar os alimentos em depósito aos estudantes. O MEC com diálogo com Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e com as secretarias de educação para definir com qual frequência haverá a distribuição dos alimentos, respeitando os protocolos do Ministério da Saúde;
– Flexibilização do EaD para sistema federal de ensino (Portarias 343 e 345, de 17 e 19 de março, 2020, respectivamente), autoriza o ensino a distância em universidades federais, institutos federais, Colégio Pedro II, Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), Instituto Benjamin Constant (IBC) e instituições de ensino superior privadas. A medida, como forma de evitar a interrupção das atividades acadêmicas, não é impositiva.
Especificamente em relação ao ensino superior, a pandemia deflagra a ideologia que perpassa os governos no contexto atual em relação à concepção de educação, com a indicação da modalidade EaD, como uma estratégia “redentora”, por possibilitar a não interrupção do processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis de ensino, em tempos de pandemia.
Esta postura demonstra o quanto a política de educação tem sido pautada em parâmetros irreais, desconectados de qualquer avaliação, tanto sobre as condições objetivas da classe trabalhadora, quanto das questões pedagógicas que evoluíram através de estudos e pesquisas de educadores renomados presentes nesta “pátria educadora”, mas que, geralmente, não são reconhecidos no planejamento dessas políticas que se constata no posicionamento assumido, mesmo em momentos tão cruciais como o que estamos vivendo devido a pandemia.
Assim, várias escolas públicas, privadas de todos os níveis de ensino articulam formas de cumprir a carga horária exigida pela LDB/1996, os 200 dias letivos (divididos por semestre), independente da realidade dos estudantes, tais como: não ter acesso à internet, a dificuldade dos pais em acompanhar seus filhos, inclusive por serem analfabetos ou, ainda, por estarem trabalhando (presencial ou remotamente) apesar da pandemia, dentre uma gama de outros fatores.
Reconhecemos que há vários educadores críticos que lutam para efetivar propostas pedagógicas sintonizadas com o contexto sócio-econômico-cultural dos estudantes, especialmente nas escolas/universidades públicas, porém, temos a certeza que jamais a EaD contemplará a uma educação qualitativa que viabilize uma formação integral, crítica e não meramente atendendo a lógica mercadológica que infelizmente impera nos projetos educacionais atuais.
A Portaria 343, de 17 de março de 2020, do Ministério da Educação (MEC), autoriza “a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19”, afirma “preservar” a autonomia da universidade para adotar o EaD, porém, o posicionamento do MEC nesta direção contradiz o que deveria ser a máxima preocupação do Ministério da Educação, garantir uma educação de qualidade e para todos, para tal é indispensável considerar as peculiaridades da realidade social dos estudantes que são extremamente diversas, diante das desigualdades sociais, que marca a sociedade brasileira.
No que tange aos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social, a categoria profissional de assistentes sociais, através de suas entidades representativas, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), o conjunto Conselho Federal de Serviço Social e Conselhos Regionais de Serviço Social (CFESS/CRESS) e também a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO), resistem à “velada imposição” da utilização da modalidade de EaD, pois apesar de não ser obrigatória, tem sido indicada pelas instituições educacionais como a “única” opção.
Reforçar o ensino presencial como modalidade essencial no processo de formação profissional de qualidade, tem sido a tônica dessas entidades representativas.
A ABEPSS manifesta a sua posição contrária a referida portaria, com forte argumento conforme segue:
“a proposta de realização online das atividades desconsidera a excepcionalidade da situação e que radicalmente modifica a dinâmica de vida de docentes e discentes na qual todos os membros familiares se encontram em casa, trazendo sobrecargas particularmente às mulheres (maioria do nosso corpo discente e docente); desconsidera as formas de acesso à internet dos discentes mais pobres; desconsidera a dimensão pedagógica que a relação presencial possibilita no processo formativo; e desconsidera as dimensões sociais e psicológicas de adaptação à nova realidade. Os elementos listados são importantes no processo ensino-aprendizagem”.
O documento reforça ainda a preocupação da ABEPSS em relação ao não posicionamento da CAPES quanto aos Programas de Pós-Graduação (prazos das bancas de qualificação e defesa, prazo para a inserção de dados na Plataforma Sucupira), considerando que tanto a graduação e pós-graduação fazem parte do mesmo contexto de reorganização da vida acadêmica, diante da pandemia.
Ratifica a defesa da incompatibilidade da modalidade de EaD com a formação profissional do assistente social, coerente com o projeto ético-político profissional, luta incansável desta categoria profissional.
No que diz respeito ao estágio supervisionado em Serviço Social a ABEPSS, região Sul II, se manifesta e
“orienta todas as Unidades Formação de Assistentes Sociais(UFAS) atenção e providências na relação com os estágios supervisionados em Serviço Social. Relembramos a todas/os coordenadores de Cursos de Serviço Social e dos setores de estágio quanto à importância de, neste momento, SUSPENDER as atividades vinculadas ao estágio supervisionado”
Desta forma, reafirmamos a concepção de educação
“[…] que não se dissocia das estratégias de luta pela ampliação e consolidação dos direitos sociais e humanos, da constituição de uma seguridade social não formal e restrita, mas constitutiva desse amplo processo de formação de autoconciência que desvela, denuncia e busca superar as desigualdades sociais que fundam a sociedade do capital e que se agudizam de forma violenta na realidade brasileira” (CFESS, 2013, p. 22).
Diante deste pressuposto, é importante reafirmar que a assistência estudantil precisa ser ampliada na educação superior de forma a atingir todos os estudantes e abranger também os outros níveis de ensino, considerando que não basta ter acesso a educação formal, mas é urgente garantir a permanência dos estudantes provenientes da classe trabalhadora.
Neste momento de pandemia, para as crianças, adolescentes e jovens provenientes de famílias empobrecidas “permanecer” na escola é ter possibilidade de se manter vivo.
Isolamento social não pode significar isolar-se do acesso ao atendimento de suas necessidades básicas que, muitas vezes, são mantidos pelo traço da assistência social que perpassa as políticas educacionais, tais como: merenda escolar; alimentação nas creches; os Restaurantes Universitários; os auxílios de aluguel ou socioeconômicos entre outros. Portanto, a assistência estudantil deve ser prioridade, e deve ser reorganizada, neste período de excepcionalidade.
O CFESS/CRESS, também se manifesta:
“Em relação especificamente ao trabalho do Serviço Social, as/os profissionais devem decidir com autonomia (preferencialmente de forma coletiva) sobre a forma de atendimento mais adequada em cada situação, de modo a atender às orientações, conforme acima mencionado, assim como proteger a saúde do/a profissional e do/a usuário/a. No entanto, caso decidam por atendimentos por videoconferência, estes devem ter caráter absolutamente excepcional, considerando a particularidade deste momento”.
Portanto, a defesa destas entidades representativas coadunam com a defesa dos discentes, docentes, pesquisadores, assistentes sociais que atuam em qualquer espaço socio-ocupacional do Serviço Social no sentido de priorizar ações preventivas de saúde contra a pandemia da COVID-19, conforme estabelecido pela Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde.
É notório que as repercussões da pandemia, que atinge a todos, em todos os países são revestidas de maior impacto para a classe trabalhadora, assim, se desvela, expõe, emerge as enormes desigualdades sociais acirradas com a perspectiva ultraliberal do Estado, que reduz drasticamente o investimento em todas as políticas publicas, que tem corroído os direitos sociais, dentre eles o direito a educação.
Desta forma, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na Educação (GEPESSE) reafirma o seu compromisso pelo acesso, permanência e sucesso dos estudantes na educação pública, laica, de qualidade socialmente referendada e para todos, em todos níveis de ensino. Na educação superior se afirma o ensino, pesquisa e extensão de modo indissociável, sendo o ensino presencial condição primordial.
Este artigo foi escrito por Eliana Bolorino Canteiro Martins (GEPESSE – UNESP/Franca), doutora em Serviço Social, Docente do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UNESP/Campus de Franca, Pesquisadora na área Serviço Social na Educação, Líder do GEPESSE. Além de Adriana Freire Pereira Férriz (GEPESSE – UFBA), doutora em Serviço Social, Docente do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UFBA, Pesquisadora na área Serviço Social na Educação, Coordenadora do GEPESSE/BA.