Sabe-se que o Brasil é historicamente um dos países mais desiguais do mundo, e esta desigualdade infelizmente vem aumentando nos últimos anos, como se pode observar através de alguns dados: como a discrepância entre o rendimento médio do trabalho da população 1% mais rica que é 33,8 vezes maior que da metade da população mais pobre (IBGE, 2019); pelo crescimento do número de bilionários que salta de 74 em 2012 para 206 em 2019, os quais acumulam 17,7% do PIB brasileiro (DOWBOR, 2020); pelo grande contingente de pessoas, aproximadamente 12 milhões (6% da população) residindo em favelas (de acordo com o último Censo do IBGE); pelo aumento de 67% da população em extrema pobreza (renda de US$1,9 por dia) de 2014 e 2018, segundo dados recentes (abril de 2020) do Banco Mundial;
Com a chegada da pandemia esta desigualdade é escancarada, pois, evidencia-se que a população mais pobre, residente de favelas ou em habitações inadequadas em grandes aglomerações urbanas, ou ainda, vivendo nas ruas, são as mais suscetíveis à contaminação pela Covid-19, em virtude de seus locais de moradias, mas também pela falta de trabalho e renda, e consequentemente de alimento, dos riscos de saúde já instalados anterior à pandemia, devido justamente às condições econômicas e sociais.
Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado em 11 de maio de 2020 pela FAPESP, atesta que 80% dos adultos com baixa escolaridade (apenas com a primeira etapa do ensino fundamental concluído), e, portanto, os que compõem os brasileiros/as de mais baixa renda, fazem parte do grupo de risco para Covid-19, em detrimento de 46% daqueles que tem nível superior. Isso confirma, que esta população, anterior à pandemia, já tinha a sua saúde em piores condições, fato relacionado também a componentes econômico-sociais que determinam a saúde/doença.
Em que pese estas condições, as políticas sociais públicas vinham desde a instauração de um novo regime fiscal, em 2016, tendo financiamento reduzido ou cortado em nome de um ajuste fiscal que beneficia o capital portador de juros, em detrimento de vidas humanas.
Assim, o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Previdência Social pública, educação pública e demais direitos sociais, encontravam-se solapados pela falta de financiamento, e desta maneira a classe trabalhadora, sobretudo a submetida às piores modalidades de trabalho estavam desprotegidas pelo Estado.
Pois bem, estas condições vêm contribuindo para o avanço da Covid-19 no país, atingindo mais, como infelizmente prevíamos, a classe trabalhadora, em especial, a mais empobrecida, a qual no Brasil, tem cor: os/as pretos/as.
Uma pesquisa que acaba de ser divulgada, realizada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), publicada na Nota Técnica 11 (Esta pesquisa utilizou variáveis demográficas e socioeconômicas de idade, raça/cor, nível de escolaridade, e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), a partir dos dados das notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), disponibilizadas pelo Ministério da Saúde. Os dados correspondem àqueles contidos na base até 18 de maio de 2020), de 27/05/2020, atesta que pretos e pardos (Esta investigação utiliza a terminologia usada pelas pesquisas do IBGE – pretos e pardos, pois é desta maneira que os municípios notificam os dados, e o Ministério da Saúde os compilam) são mais acometidos pelo óbito quando contraem a Covid-19, como podemos observar no gráfico abaixo:
Esta mortalidade maior para pretos e pardos se atesta em todas as idades, segundo dados desta mesma pesquisa. O Gráfico abaixo demonstra o cruzamento entre escolaridade, raça/cor e óbitos e recuperados:
Como podemos comprovar, em todas as escolaridades os pretos e pardos são os que mais morrem pela Covid-19, entretanto, esta mortalidade é muito maior para os grupos com menor escolaridade, ou seja, o impacto da Covid-19 é mais elevado para aqueles com baixa escolaridade, mas, ainda pior para os pretos e pardos.
Estes dados demonstram quem é a população mais impactada pela Covid-19 no Brasil – pobres, porque baixa escolaridade significa piores inserções no mercado de trabalho e mais baixos salários ou ausência desses, e dentre estes os pretos e pardos, atestando mais uma vez que a pobreza e miséria no Brasil tem raça/cor. São estas pessoas que vivem nas periferias das cidades, sem condições de sustento de suas famílias, sem acesso a um sistema de saúde que possa protegê-los neste momento, sem condições de isolamento social devido às suas condições de moradia e à necessidade de buscar o sustento de cada dia, usando pra isso transportes públicos, quando o tem, colocando suas vidas em risco.
Assim fica evidenciado que a Covid-19 se manifesta de forma diferente para cada classe social e raça, uma vez que possuem menos recursos para enfrentarem esta enfermidade. E este dado precisa ser, primeiramente, evidenciado, para que possa ser considerado pelos gestores públicos no enfrentamento desta calamidade neste país.
*Artigo escrito pela Profa. Patrícia Soraya Mustafa. Doutora em Serviço Social. Professora do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (UNESP, câmpus de Franca/SP). Pesquisadora na área de Política Social e Seguridade Social.
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