O Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou projeto que previa a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda de escolas públicas, mulheres em situação de rua e mulheres encarceradas. Bolsonaro justificou seu veto alegando que não havia a previsão da fonte de custeio. Entretanto, o texto aprovado pelo Congresso Nacional dispunha que o dinheiro viria dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) – e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.
Para compreendermos a perversidade da decisão presidencial é preciso entender o conceito de pobreza menstrual. Segundo a Unicef, pobreza menstrual é a situação vivenciada por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar de sua saúde, durante a menstruação.
No Brasil, em que mais da metade da população se encontra em insegurança alimentar, o absorvente é considerado item supérfluo. Apesar de terem alíquota zero do IPI, ainda incidem sobre o produto PIS, Cofins (ambos federais) e ICMS (estadual). Sem dinheiro para comprar a quantidade suficiente de absorventes, muitas mulheres e meninas utilizam jornal, pedaços de pano, folhas de árvores, pedaços de algodão e até mesmo miolo de pão, para conterem seus fluxos. Há diversos riscos para a saúde da mulher: alergia, irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais, e até Síndrome do Choque Tóxico, que pode levar à morte. E acrescenta-se a esses riscos o dano emocional.
As adolescentes são a fatia mais vulnerável à precariedade menstrual. Padecem com o desconhecimento da importância da higiene para sua saúde e com a dependência dos pais ou familiares para a compra do absorvente, afetando o desempenho escolar dessas estudantes e, como consequência, restringindo o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta.
Dados da ONU apontam que, no Brasil, uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes. Com isso, perdem, em média, até 45 dias de aula por ano letivo, como revela o levantamento “Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil”, encomendado por uma marca de absorvente e feito pela consultoria Toluna. A menstruação sem informação e cuidado, torna-se mais um fator de desigualdade de oportunidades entre os gêneros. Essas alunas enfrentam, na escola, um ambiente de desinformação que se torna extremamente hostil. Além disso, não há, em boa parte das escolas, infraestrutura de higiene suficiente para atender suas necessidades básicas.
De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo Fundo de População das Nações Unidas, mais de 4 milhões de estudantes frequentam escolas com estrutura deficiente de higiene no Brasil, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar. Ainda, cerca de 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro em suas casas.
As mulheres que se encontram privadas de liberdade também são grandes vítimas da pobreza menstrual. Atualmente, o Brasil registra 37.828 mulheres presas, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). A falta de tratamento digno derruba a autoestima e dificulta a reintegração social, que deveria ser objetivo final do encarceramento. Por fim, mulheres em situação de rua enfrentam, além de todos os problemas típicos que viver sem a proteção de um lar em uma sociedade misógina e desigual, as mazelas da pobreza menstrual, que muitas vezes lhes causam doenças reprodutivas irreversíveis.
Desde 2014, a ONU considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Assim, o Presidente Jair Bolsonaro, ao vetar a distribuição gratuita de absorventes para mulheres pobres, após a aprovação do projeto de lei pelo Congresso Nacional, demonstrou seu desprezo aos direitos humanos, e, principalmente, à vida das mulheres. O mesmo homem que, enquanto Deputado Federal, disse a uma colega democraticamente eleita que só não a estuprava porque ela era feia, ou que disse que teve quatro filhos e no quinto, deu uma fraquejada, vetou o acesso à absorventes pelas mulheres em situação de pobreza.
É perverso porque é só mais um ato de misoginia e machismo, entre tantos do Presidente do Brasil. É perverso porque prejudica a fatia mais frágil da sociedade. É perverso porque não se garante dignidade e saúde às mulheres que mal conseguem alimentar seus filhos, enquanto o preço da comida sobe e o número de novos bilionários aumenta. Agora, torçamos para que o Congresso Nacional consiga derrubar esse veto perverso e que nossas mulheres e meninas tenham direito a uma vida com saúde e dignidade.
*Artigo de Mariana Negri Vidotti Amorim, diretora do Coletivo da Cultura de Franca e coordenadora do Setorial Estadual Antiproibicionista e de Políticas sobre Drogas do PT/SP.
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