Mais severas que a estiagem são a incompetência e o desleixo de todos os responsáveis pela gestão do abastecimento público de água da cidade de Franca. Participante do Comitê da Bacia dos rios Sapucaí-Mirim e Grande há 20 anos, sinto-me bastante incomodado pelo meu silêncio. Também cansado de ouvir justificativas e promessas vãs da Sabesp, bem como pela omissão da Prefeitura (outorgante da concessão), do próprio Comitê e de outras instituições que deveriam ou poderiam colaborar.
Era sabido desde o começo do ano, por relatórios oficiais (INMET/INPE e DAEE), que a estiagem deste ano seria mais severa do que tem sido nos últimos anos.
De novo, nada foi feito.
O racionamento que ora vivenciamos seria evitado, houvesse planejamento e gestão dos recursos hídricos.
E o Rio das Canoas e o Ribeirão Pouso Alegre (mananciais que abastecem a cidade nas proporções aproximadas de 90 e 10%) não estariam submetidos ao estresse que se encontram, devido a extração de 100% de suas águas, ambientalmente incorreta. Rezar para virem as chuvas, aumentar o valor das contas de água, clamar para a população economizar e impor o racionamento são os instrumentos de gestão adotados pela Sabesp Franca nos últimos anos.
Nada de gestão dos recursos hídricos.
O que poderia ter sido feito no primeiro semestre desse ano?
– barramentos ao longo do Canoas e do Pouso Alegre (a barragem ou represa regulariza vazão, isto é, armazena água, possibilitando a extração de volume maior do que o volume derivado na captação diretamente do curso d’água);
– poços tubulares profundos, extraindo água do Aquífero Guarani (que escoa muito lentamente sob nossos pés);
– pequenas captações em cursos d’água menores etc.
O que poderia ter sido feito nos últimos anos?
– incentivo e participação no manejo do solo das bacias do Canoas e do Pouso Alegre, com respectivo monitoramento do nível do lençol freático (as encostas são as caixas d’água naturais, que cheias no período chuvoso garantem água no período seco; o manejo do solo é responsável pela quantidade infiltrada das águas das chuvas);
– incentivo e participação na proteção das nascentes e cursos d’água menores;
(incentivo através da associação dos proprietários de terras nas bacias, elucidação de técnicas de manejo de solo e de vegetação através de cursos etc; e participação através, por exemplo, da doação de mudas, do plantio, do fornecimento de maquinário para confecção de curvas de nível, terraços, caixas secas, drenos etc).
– gestão das perdas na rede distribuidora, ou seja, diminuição dos quase 50% de água perdida após tratada (isso mesmo, 50%, metade) etc.
Além da quantidade, também a qualidade da água fica comprometida no período seco, diminuindo o natural poder de autodepuração dos cursos d’água.
No caso do Canoas, vale lembrar que o rio recebe, a montante da captação da água, 11% dos efluentes das ETEs (estações de tratamento de esgoto) da cidade (de lagoas dispostas em bairros da zona leste). Os loteamentos clandestinos que pipocam sem parar nessas bacias, os poços perfurados sem técnica adequada e licença e as fossas pioram o cenário hídrico em quantidade e qualidade.
A receita perdida com o racionamento, acrescida das despesas do mesmo, custearia parte das medidas acima expostas.
Creditar a crise no abastecimento de água à falta de chuva é zombar da boa-fé da população, é faltar com a seriedade e o comprometimento que se supõe haver em serviço público essencial, é não fazer autocrítica, é fazer pouco caso do meio ambiente, é indignar alguns técnicos e cidadãos.
*Artigo escrito por Paulo Puccinelli, engenheiro de Minas, especialista em água e solo
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