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Fundação do Facebook seleciona pesquisa da Unicamp sobre inflamação

Mariana Boroni (INCA), Pedro Moraes-Vieira e Marcelo Mori (IB-Unicamp) integram projeto selecionado. Foto: Divulgação/Unicamp

Um projeto de pesquisa apresentado pelos professores Marcelo Mori e Pedro Moraes-Vieira, do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e por Mariana Boroni, pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer (INCA), foi um dos 29 selecionados no mundo pela Chan Zuckerberg Iniciative (CZI), fundação criada por Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e sua esposa, a pediatra Priscilla Chan, que incentiva a ciência e ações educacionais e filantrópicas.

chamada selecionou projetos de pesquisas relacionadas a processos inflamatórios no organismo humano. O projeto da Unicamp e do INCA foi o único selecionado da América Latina e propõe uma análise dos processos inflamatórios que ocorrem nos tecidos adiposos de pessoas obesas e não obesas.

“Foi uma chamada extremamente competitiva. Conheço grupos internacionais que mandaram projetos fortíssimos e não foram selecionados. Aqui mesmo, no Brasil, concorremos com grupos que nos faziam pensar o quanto seria difícil”, releva Pedro Moraes-Vieira ao Portal da Unicamp.

Projetos interdisciplinares

A seleção era direcionada a projetos interdisciplinares que envolvessem até três pesquisadores principais. Segundo informações da CZI, 80 pesquisadores foram contemplados, a maior parte deles dos Estados Unidos e Europa. Cada proposta aprovada receberá o financiamento de 175 mil dólares por pesquisador, totalizando o investimento de até 525 mil dólares por projeto. Ao todo, a fundação deve investir 14 milhões de dólares em estudos que serão realizados por dois anos, a partir de setembro de 2020.

“Estamos inseridos em um grupo seleto, é só olhar para as universidades que foram selecionadas. É bom ter a Unicamp ao lado delas”, comenta Marcelo Mori ao Portal da Unicamp. Os professores explicam também que o projeto integra ainda as ações da Human Cell Atlas, rede internacional de pesquisas com o objetivo de mapear, descrever e catalogar os diferentes tipos e funções celulares do corpo humano, grupo por meio do qual eles tiveram contato com a chamada da CZI.

“A ideia é que os protocolos e dados sejam compartilhados, de forma anônima, com diferentes grupos internacionais por meio do Human Cell Atlas e do próprio CZI. Assim, faremos parte de uma plataforma mundial de análise de single cell”, explica Pedro.

Análise de 10 mil células, uma a uma

A obesidade desencadeia processos inflamatórios no corpo humano. Conforme a gordura se acumula nos tecidos adiposos, localizados em diversas partes do corpo, as células adiposas, chamadas adipócitos, começam a se expandir e chegam a um limite máximo de sua capacidade de acumular lipídeos.

Quando isso ocorre, há um aumento da quantidade de ácidos graxos fora das células. O efeito tóxico dessas substâncias faz com que células de defesa, chamadas macrófagos, passem a absorver esses ácidos, desencadeando inflamações que podem ser nocivas ao organismo e culminar na chamada síndrome metabólica, condição que aumenta os riscos de pacientes desenvolverem doenças cardíacas, diabetes e acidente vascular cerebral (AVC).

Por isso, o projeto apresentado pelos professores tem como objetivo principal estudar macrófagos que atuam nos processos inflamatórios do tecido adiposo, onde essas células são abundantes. A ideia é que sejam coletadas amostras do tecido adiposo de pessoas obesas e não-obesas, de diferentes partes do corpo, da gordura localizada abaixo da pele (subcutânea) até a que se acumula nas partes mais profundas do abdômen e envolve alguns órgãos internos (visceral).

Para a coleta dessas amostras, a equipe contará com o apoio do professor Elinton Chaim, cirurgião-chefe do Ambulatório de Cirurgia Bariátrica do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp.

Técnica

A inovação que estará presente na pesquisa é o uso da técnica de análise de célula única, tecnologia ainda pouco usada no Brasil. Com essa técnica, será possível verificar as características de cada célula que compõe uma amostra, tornando a análise mais precisa e permitindo a descoberta de novos grupos celulares e formas com que as células atuam no organismo e interagem entre si.

“Antes a gente conseguia fazer isso em uma massa de tecido. Quando fazíamos isso, a gente conseguia uma expressão gênica de um grupo de células, mas agora a gente consegue saber o que cada célula expressa. Quando conseguimos fazer isso, a gente consegue encontrar mais diferenças individuais entre as células, podendo classificá-las em subpopulações que antes não tínhamos noção de que existiam. Podemos então olhar para a biologia tecidual com uma resolução muito maior”, salienta Marcelo Mori.

No início, serão coletadas amostras do tecido adiposo de poucos pacientes, em torno de três de cada grupo, obesos e não-obesos, e identificados os macrófagos localizados nesses tecidos. Nessa etapa, cada um dos macrófagos identificados será analisado individualmente, o que resulta em cerca de 10 mil células por amostra.

“Nós podermos pegar esses macrófagos, isolá-los e fazer o sequenciamento de célula a célula de cada um desses tecidos. A gente vai analisar 10 mil células de cada um desses tecidos de forma individualizada, determinar o perfil transcriptômico individualizado de 10 mil macrófagos de cada um desses tecidos”, comenta Pedro Moraes Vieira.

Bioinformática

Tudo isso será possível graças a recursos de bioinformática, que utilizam inteligência artificial. Depois dessa análise inicial, com base nas características identificadas das células, será possível envolver mais participantes no estudo, estabelecendo comparações entre pessoas que apresentam fatores de risco ou não, como diabetes e outras doenças metabólicas, e também entre homens e mulheres.

“Será que algum macrófago específico tem associação com os níveis de glicemia da pessoa? Podemos tentar estabelecer essa relação. E conseguimos usar isso como uma plataforma para testar muito mais pacientes. Será que conseguimos identificar no tecido adiposo um tipo de macrófago que nos diz se a pessoa tem risco de desenvolver diabetes? A questão do sexo também, mulheres em geral são mais resistentes a doenças metabólicas, homens são mais suscetíveis. Será que existe algum tipo de célula que contribui para isso? Essa é a pergunta final que queremos responder”, reflete Marcelo.

Internacionalização

A participação da Unicamp nos projetos que receberão o apoio do CZI deverá contribuir também para a internacionalização da universidade e para a atração de pesquisadores para o país. Além de envolver alunos de graduação e pós-graduação orientados pelos professores, a pesquisa será desenvolvida em intercâmbio com outras que integram a chamada.

Entre os projetos com os quais a Unicamp irá compartilhar informações obtidas, Marcelo e Pedro citam um dos estudos que serão realizados na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e outro que envolve pesquisadores da Alemanha, Israel e Nova Zelândia.

Outra vantagem é o avanço que a pesquisa trará para os estudos em biologia tecidual realizados no país. De acordo com eles, esta será a oportunidade de ampliar os usos da tecnologia de análise de célula única no Brasil, algo que já ocorre em escala mais avançada em outros países.

“Essa é uma tecnologia revolucionária, ainda relativamente cara, mas o Brasil ainda é incipiente nessa tecnologia. Quando vamos a congressos internacionais, a gente vê que ela já está sendo utilizada. Não diria que já é rotineira, mas vai se tornar uma rotina. Por que você vai analisar um pedaço de tecido complexo, que tem características diferentes de células, sendo que há a capacidade de analisar células únicas desse tecido? A gente está atrasado e precisamos correr atrás”, explica Marcelo.

Eles ressaltam que, com o projeto, a Unicamp montará uma plataforma pioneira de análise de single cell (célula única) e se tornará referência para outras instituições de pesquisa que tiverem o interesse em colocar a tecnologia em prática.

“O que é bonito disso é que agora vamos poder implantar essa plataforma de análise single cell aqui na Unicamp, que é algo que não tem consolidado no Brasil. Essa vai ser a primeira plataforma de análise single cell e vamos poder abri-la para o uso de outros pesquisadores de todo o país”, comemora Pedro.

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