Não é exagero dizer que houve uma certa frustração do mercado com a evolução dos planos traçados pelo Magazine Luiza, o Magalu, há quase dez anos. E isso fica bem claro quando se olha para a trajetória do valor da companhia, que diminuiu pouco mais de R$ 170 bilhões nos últimos quatro anos.
No auge, o Magalu chegou a valer R$ 177,5 bilhões na bolsa, em meados 2020. Agora, isso parece um exagero do mercado. Hoje, ele vale menos de R$ 6 bilhões. A perda é equivalente ao valor de mercado da Ambev. E também nessa conta pode haver uma boa dose de exagero, desta vez negativo.
Nessa trajetória de queda na bolsa, muitos investidores se frustraram e tiveram prejuízo com a ação. Mas ninguém perdeu tanto quanto a família Trajano, fundadora da empresa: mais de R$ 100 bilhões em patrimônio, segundo estimativas. Ainda assim, os controladores reforçaram sua aposta e fizeram um aporte de capital de R$ 1,25 bilhão no ano passado.
O tombo mais forte no patrimônio dos Trajano veio em 2021, quando as ações caíram 70%. Não era pra menos: na ocasião, o lucro de R$ 259 milhões visto no primeiro trimestre daquele ano virou um prejuízo de R$ 161 milhões 12 meses depois. Agora, mesmo a recente recuperação dos resultados – lucro de R$ 102 milhões no terceiro trimestre de 2024 – não foi suficiente para animar o mercado.
Além do cenário negativo para a bolsa, há uma reavaliação sobre o valor real da empresa. Hoje, nenhum gestor ou analista acredita que o Magalu vai atingir o tamanho que se imaginou que ele teria lá atrás. Nem ser tão inovador como prometeu. Na visão de quem acompanha o setor, é muito difícil para uma empresa que nasceu no ambiente físico ser tão competitiva como os nativos digitais, a exemplo de Mercado Livre e Amazon.
2015, quando tudo mudou
Para entender o que aconteceu com a companhia, primeiro é preciso entender o que levou uma varejista de eletroeletrônicos a valer tanto. A verdade é que, quando essa trajetória de supervalorização começou, havia muita coisa conspirando a favor.
O cenário era favorável: juros baixos globalmente, que incentivavam o growth investing – investimento em empresas com potencial de crescimento, especialmente as de tecnologia, um perfil raro na bolsa brasileira. O país também vivia um momento positivo, com inflação controlada e regras fiscais que atraíam capital estrangeiro.
Foi nesse contexto que Luiza Trajano, a dona Luiza, passou o comando para o filho, Frederico Trajano. Aos 38 anos, Fred assumiu uma empresa fundada em 1957, em Franca (SP), que até então se destacava por sua forte rede de lojas físicas no interior paulista. Um exemplo desse DNA varejista era a Liquidação Fantástica, saldão anual realizado desde 1993 com descontos de até 70%.
Na gestão Fred, veio a aposta em uma transição tecnológica no caminho da digitalização. A empresa, que já era uma “queridinha” dos consumidores – em grande medida, graças ao carisma da dona Luiza – também cativou os grandes investidores com a ambição de se tornar uma companhia digital first, o que acabou criando a expectativa de que a varejista tinha potencial de ser uma espécie de “Amazon brasileira”.
Aqui vale um esclarecimento. Essa comparação com a gigante americana sempre incomodou Fred Trajano. Ele diz a pessoas próximas que o Magalu é uma empresa única, com perfil omnichannel (forte tanto em lojas físicas como no e-commerce). Nada parecida com a Amazon.
Mas a verdade é que foi o próprio Fred quem alimentou no mercado a expectativa de que a Magalu estava em um caminho sem volta de se transformar de uma varejista para uma empresa de tecnologia.
Para fazer a virada digital, o Magalu fez 21 aquisições nos últimos dez anos: varejistas de e-commerce como Netshoes e KaBuM!, startups de tecnologia como a Stoq, e empresas de logística que hoje formam a Magalog.
A euforia
A estratégia em curso foi turbinada pelas consequências da pandemia: as pessoas em quarentena passaram a equipar suas casas para o home office e, com o juro mais baixo e menos custos com ida ao trabalho ou compromissos fora, passou a investir no lar: geladeira nova, air fryer, aspirador-robô e por aí vai.
Não demorou para essa combinação ganhar o coração do investidor – no auge, em 2020, a ação chegou a atrair mais de 1 milhão de CPFs (número que hoje está ao redor de 473 mil). Muita gente, inclusive, estreou na bolsa comprando esse papel. O ápice foi em novembro daquele ano, quando a empresa chegou àqueles R$ 177,5 bilhões em valor de mercado.
O Magalu passou a ser negociado a múltiplos de big tech, aquela história de ser a “Amazon do Brasil”. E indicava um futuro promissor. A euforia se instalou no mercado – e também entre os Trajano. Nada parecia abalar o que despontava para ser uma nova campeã nacional.
Um exemplo da empolgação e da confiança na posição de destaque que a empresa ocupava vem da própria diretoria do Magalu. Mesmo quando as ações já mostravam fragilidade, Fred Trajano organizou um evento em Campos do Jordão (SP) para a diretoria “desestressar”. Em plena terça-feira, executivos jogavam tênis e andavam de bicicleta, enquanto a empresa já enfrentava dificuldades, segundo uma fonte.
O cenário macroeconômico, que havia ajudado o Magalu acelerar, passou a jogar contra a varejista em meados de 2021, quando a maré da Selic virou. A empresa havia acabado de levantar levantar R$ 3,5 bilhões em uma oferta de ações (“follow-on“) para pagar a aquisição do KaBuM!. Mas aí escalada dos juros esfriou a demanda: afinal não é todo dia que as pessoas precisam trocar de geladeira ou fogão.
A expansão acelerada feita pela companhia também pesou. É que a integração das empresas adquiridas não tinha terminado, ou seja, o Magalu não colhia ainda os frutos positivos dessas aquisições. Com essa mistura, as ações implodiram. Só em 2021 veio aquela queda de 70%. Hoje, a queda acumulada alcança 97%.
A frustração
O custo logístico alto de uma operação digital, o aumento da competição e a dificuldade em integrar as empresas que foram compradas acabaram comprometendo os resultados.
A desvalorização do Magalu atingiu em cheio os Trajano: sua fatia de 60% da empresa, que chegou a valer R$ 120 bilhões, hoje está em R$ 2,5 bilhões. A decisão de não vender parte das ações no auge, como fizeram outros investidores, divide opiniões no mercado. Para alguns, foi uma demonstração de ganância: na crença de que os ganhos poderiam ser ainda maiores, os controladores perderam o timing para vender as ações. Para outros, foi uma demonstração de compromisso com o negócio.
“O Fred realmente acreditava naquele cenário que estava vendendo para o mercado”, diz um gestor com posição na empresa. “A dona Luiza sempre teve mais pé no chão. A visão de empreendedor, de tomar risco, sempre foi do Fred.”
Além dos investidores comuns e os Trajano, os irmãos Leandro e Thiago Ramos, fundadores do KaBuM!, também foram afetados pela queda do Magalu. Eles venderam o e-commerce por R$ 1 bilhão em dinheiro e 125 milhões de ações que valiam R$ 2,5 bilhões, no momento do fechamento do negócio. Só que, com a derrocada dos papéis, essa fatia em ações passou a valer muito menos. Os irmãos foram à Justiça pedir uma compensação.
Outro momento
Vanessa Rossini, diretora de relação com investidores do Magalu, diz que, apesar da queda nas ações, a empresa mantém firme sua estratégia. A executiva aponta que o Magazine Luiza vive hoje seu segundo grande ciclo estratégico: depois das aquisições em série até 2021, o momento é de organizar todas as unidades de negócio. “Este ciclo é até mais importante que o anterior”, afirma.
Entre as iniciativas, está aumentar as margens e avançar no desenho da estrutura em algumas frentes: marketplace, logística (com o Magalog), pagamentos (com o MagaluPay), publicidade digital (com o MagaluAds) e tecnologia com o Luiza Labs e o Magalu Cloud. “Essa diversificação de receita vai deixar a empresa mais resiliente a fatores que não podemos controlar, como as taxas de juros”, prossegue a Vanessa.
E a operação da companhia segue firme. Com cerca de 1.250 lojas espalhadas por 20 estados brasileiros e alcance em 3.800 municípios, o Magazine Luiza emprega 37.000 funcionários e registrou um faturamento de R$ 46 bilhões até setembro de 2024. Hoje, 75% do faturamento vem dos canais digitais: a companhia alcança 36 milhões de clientes ativos no site e app, gerando 500 mil pageviews mensais.
Sobre o futuro
Nem todos perderam dinheiro com o Magalu. A gestora Alaska, dos investidores Luiz Alves Paes de Barros e Henrique Bredda, comprou ações em 2015, antes do hype, e as vendeu em 2020, quando o preço estava perto da máxima – uma operação que rendeu ganhos expressivos e projetou a gestora no mercado.
O retorno da Alaska ao Magalu em maio do ano passado – após quatro anos fora – foi comemorado internamente como um selo de aprovação do mercado. A gestora, que agora detém 5,14% da empresa, volta em um momento em que o mercado especula possíveis caminhos para a varejista, incluindo uma eventual fusão com outra rede.
*Matéria Invest News