Em maio, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou medida provisória e decreto que promoveram diversas alterações nas regras sobre contratações de jovens aprendizes. Entre as mudanças, estão o aumento do prazo máximo e da idade máxima de aprendizagem e regras mais flexíveis para o cálculo e até mesmo para o descumprimento da cota de aprendiz (cujo preenchimento é obrigatório para empresas de médio ou grande porte).
A nova legislação tem impacto direto para empresas de Franca que têm esse tipo de contrato e também com o projeto da Esac (Escola de Aprendizagem e Cidadania de Franca), que tem administração do Rotary Club de Franca e é desenvolvido no município.
Em análise feita pelo site Consultor Jurídico (Conjur), as medidas provocaram reações divididas. De um lado, estudiosos do tema consideram que as mudanças causarão uma diminuição de milhares de vagas para jovens aprendizes e a precarização das condições de trabalho, praticamente anulando tal modalidade de emprego.
Porém, há quem acredite que as novas normas garantirão maior proteção à prática e facilitarão a contratação de aprendizes e a manutenção dos contratos para preenchimento da cota.
Visão positiva
Um dia após a edição da MP, os coordenadores de aprendizagem profissional das Auditorias Fiscais do Trabalho de todos os estados e do Distrito Federal assinaram e publicaram uma carta de entrega coletiva dos cargos. Para os auditores, a medida representa um estímulo ao descumprimento da legislação.
Porém, o advogado Ronan Leal Caldeira, head trabalhista do escritório GVM Advogados, diz que tais alterações “buscam fomentar a contratação de jovens que possuem dificuldades de reinserção no mercado de trabalho diante de histórico passado” e incentivam “que as empresas procedam com as contratações”.
Guilherme Macedo Silva, advogado da área trabalhista do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, afirma que as iniciativas “permitem a facilitação do cumprimento da cota de aprendizagem, no entanto, sem deixar de fomentar o instituto com medidas de inclusão e flexibilização que tendem a ser benéficas tanto para aprendizes quanto para empregadores”.
Já o advogado trabalhista Tomaz Nina, sócio da Advocacia Maciel, entende que é necessário “buscar um equilíbrio entre o dever de punir do Estado e a função social da empresa”. Para ele, a medida provisória tentou consertar um modelo de contratação que “não tem atingido sua finalidade precípua, qual seja, preparar o jovem para a entrada no mercado de trabalho. Infelizmente, o modelo atual sucumbiu em alcançar esse objetivo”.
Principais alterações
A idade máxima do aprendiz é de 24 anos, com a exceção de pessoas com deficiência. As novas medidas, porém, estabelecem que tal limite não se aplica aos jovens inscritos em programas de aprendizagem profissional que envolvem o desempenho de atividades vedadas a menores de 21 anos. Nesse caso, os aprendizes poderão ter até 29 anos.
O prazo máximo da aprendizagem também foi alterado, de dois para três anos. O período pode chegar a quatro anos, caso o aprendiz seja contratado com idade entre 14 e 15 anos incompletos, ou se enquadre em algumas situações de vulnerabilidade — por exemplo, jovens que cumpram ou tenham cumprido medidas socioeducativas ou penas no sistema prisional, que integrem famílias beneficiárias do Auxílio Brasil, que estejam em regime de acolhimento institucional ou dentro do programa de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte. Não há limite de prazo para PcD.
Ainda de acordo com as novas regras, o contrato do aprendiz pode ser prorrogado dentro do prazo máximo de quatro anos, em caso de continuidade de itinerário formativo. Nessas hipóteses, cursos da educação profissional e tecnológica de graduação passam a ser considerados atividades teóricas da aprendizagem.
José Roberto Dantas Oliva, advogado e juiz do Trabalho aposentado, não vê com bons olhos nenhuma dessas medidas e não as considera adequadas.
Segundo ele, a aprendizagem não deve ser vista pelo ângulo de quem quer apenas obter mão de obra barata. “A imperativa prévia qualificação e a exigência de experiência têm se revelado fantasmas que assombram a maioria dos jovens que buscam ocupar as vagas de emprego oferecidas pelo — cada vez mais competitivo — mercado de trabalho”.
Flexibilizações nas cotas
Ao instituir o Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes, a MP criou opções para as empresas se regularizarem em caso de descumprimento da reserva de vagas a aprendizes. Os participantes terão prazos diferenciados e não serão autuados durante tal período.
Para Oliva, tais previsões são absurdas e configuram indulto indevido. “É obrigação legal cujo cumprimento se exige, só no modelo instituído pela Lei 10.097/2000, já por mais de duas décadas. Assim, não deve haver mais prazo algum para cumprimento de cotas e muito menos ter suspenso o empregador processo administrativo de imposição de multa ou redução do valor de multas já impostas”.
Por outro lado, Nina lembra que “as empresas empregadoras têm muita dificuldade de atingir a cota de aprendiz estipulada no artigo 429 da CLT, o que tem gerado habitualmente multas”.
A medida provisória também permite que as empresas continuem contabilizando ex-aprendizes efetivados no cálculo das cotas pelo período de até um ano. Na visão do advogado Mauricio Corrêa da Veiga, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, “tal medida é um estímulo à efetivação dos aprendizes, na medida em que o cumprimento de cotas, dependendo do segmento da empresa, é tarefa de extrema complexidade”.
O próprio Oliva também não enxerga a regra como despropositada ou desarrazoada. Mas ressalta: “Mais importante do que isso, porém, é conscientizar o empregador da oportunidade que está tendo de realizar, ele próprio, a qualificação de seus trabalhadores, o que, por si, pode estimular a contratação sem reduzir o número mínimo de aprendizes”.
Outra alteração polêmica é a contagem em dobro, no cálculo da cota, de aprendizes em situações de vulnerabilidade — as mesmas já citadas, às quais se somam os jovens egressos do trabalho infantil e PcD.
Para Oliva, a regra é altamente discriminatória, preconceituosa e até inconstitucional. “Prioritariamente, a aprendizagem foi concebida e se destina justamente aos mais vulneráveis social e economicamente. Se você conta alguém em dobro, numa situação como essa, está lhe atribuindo, na verdade, valor intrínseco de meio. Revela menoscabo, desprezo. Chega a ser perverso”, assinala.
Outras considerações
Quanto às PcD, Oliva diz que, “caso o empregador as qualifique, poderá inclusive se beneficiar, ao transformar seus contratos de aprendizagem em contratos por prazo indeterminado, com o cumprimento da cota de PcD no seu quadro normal, não se valendo, como é praxe, do frágil argumento de que não encontra trabalhadores qualificados e interessados em ocupar as vagas, pois ela própria terá qualificado a pessoa”.
O jurista também defende uma elevação da idade mínima de aprendizagem para 16 anos, para se adequar ao aumento da carga horária do ensino médio, quando o novo sistema for implantado definitivamente. Para ele, a carga horária deve ser inserida na grade curricular. “Como se fará isso é assunto a ser ainda estudado”, diz ele.
*Matéria Conjur, com F3 Notícias
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