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O circuito GLS em Franca e a ‘invasão’ heterossexual das boates gays

Entre os “animais” noturnos que perambulavam pela noite francana estavam a transição das gerações X e Y, filhos dos baby bumers que migraram da era analógica para o mundo digital. Surgiam as primeiras lan houses, menssenger, bate papo UOL, disk 145 e a popularização dos celulares analógicos.

Os movimentos de contra-cultura estavam em alta no interior paulista, evidenciados principalmente pelo comportamento e através da música, com destaque aos movimentos Hip Hop e os grupos de rap nacionais.

As duas principais casas de shows deste seguimento eram a Contra Disco Club e Over Night, palcos de constantes confrontos entre bairros e regiões da cidade que culminaram por diversas vezes em mortes violentas.

Os outros seguimentos mais populares eram frequentados principalmente pela classe operária da cidade; os bailes locais de música sertaneja e o forró pé de serra (universitário), tocados nas principais casas de shows da cidade. Enquanto o The Wanted tocava Beatles no D.A e nos bares menos populares da avenida Champagnat, como o Liverpool Snoock Bar, onde outros roqueiros jogavam sinuca ao som de – Come as You Are, do Nirvana.

Mas alheio a estes movimentos, surgia um outro seguimento ainda marginalizado pela sociedade dado principalmente pela desinformação e preconceitos causados pelo surto de HIV do final da década de 1980 e início dos anos 1990 entre a comunidade de homens gays e também pela criação conservadora pós êxodo rural dos pais nascidos na geração Baby bumers.

Mesmo que neste período Foucault já tivesse escrito a sua história da sexualidade tratando a docilidade dos corpos e dado luz às memórias de Herculine Barbin, como um indivíduo dotado de Volição e não apenas como objeto de estudos, o senso comum ainda não estava familiarizado com estes conceitos uma vez que ainda não havia um mundo totalmente globalizado, tão pouco às teorias Queer, de Judith Butler.

O pink money e o bar Transmutação

A indústria cultural e o mercado consumidor nacional desconheciam o poder do Pink Money e assim o preconceito contra essa parcela da sociedade ainda era gritante.

No cinema, por está razão, havia pouca representatividade, com alguns raríssimos filmes como o excelente Filadélfia, dirigido por Jonathan Demmer, estrelado por Tom Hanks, bem como sua trilha sonora – Streets Of Philadelphia, de Bruce Springsteen; além de  Priscilla, a rainha do deserto, de Stephan Elliott tocando – Go west do Village People, mas no geral estas pautas eram ignoradas pela indústria.

Surgiam então os primeiros bares GLS na cidade de Franca como o “bar transmutação”. Ainda não havia as denominações contemporâneas da sexualidade como a sigla LGBTQIA+. Apenas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, travestis e os “Entendidos”.

Se não era seguro transitar sozinho pelas ruas da cidade devido as brigas de gangue, imagine então se você fosse homossexual. Por isto, então, era comum os gays andarem em grupos pela cidade, passeando nos seus Corsas Wind ano 98 de cor roxa ou vinho procurando por diversão e oferecendo caronas.

Tem início a primeira Era das boates gays na cidade em alguns eventos no Varanda & Quintal e o surgimento da boate Gran Pachá, no centro.
Frequentados por todos os seguimentos da cidade desde que fossem GLS e de outras cidades da região, como Ribeirão Preto e Capital, surgia ali um local onde as pessoas poderiam ser elas mesmas sem utilizarem as máscaras sociais, seja por receio da família que não aceitava, da reputação, do trabalho etc…

Havia personalidades da alta sociedade da cidade como prefeitos, empresários, médicos, advogados, todos misturados às pessoas de todas as classes sociais. Não importava a classe social, mas a comunidade GLS e sua segurança.

Um importante ponto a ser lembrado é o anonimato dado pela Era analógica. Não havia celulares para tirar fotos e tudo que acontecia lá dentro ficava por lá mesmo.

Iniciava-se um período cosmopolita na cidade, dado pelo intercâmbio entre pessoas vindas de outros locais e Djs vindos da capital, que dividiam a cena com o Dj da casa Beto Spiller, remixando canções de Alice Deejay – Better Of Alone, Lasgo – Something, Alex Gaudino feat. Crystal Waters – Destination Calabria, David Guetta & Chris Willis – Love Is Gone, dentre outras remixadas ao som de trombetas e muita iluminação, além de performances teatrais e musicais numa atmosfera psicodélica para um público bastante exigente e com bastante dinheiro para gastar.

Gogoboys na pista de dança

Os primeiros heterossexuais a frequentarem esses locais foram os gogoboys da cidade que faziam apresentações no “queijo”, um pequeno palco montado no meio do salão, trajando cuecas boxe e gravatas borboleta, ganhando muito bem para dançar em média duas músicas por noite.

Apresentavam um shape, no geral, com um alto grau de retenção de líquidos e pouca definição devido a baixa popularização das dietas à época e acesso a drogas anabolizantes de baixa qualidade como o Hemogenim e a Deca durabolim, adquiridas facilmente por preço acessível no mercado informal. Não havia terapia pós ciclo e talvez por este fato os praticantes locais de halterofilismo eram alcunhados como “broxas”.

O palco central era reservado geralmente para apresentações vindas de fora, com atores e atrizes pornôs, gogoboys da capital, dubladores, pirofagistas, espetáculos circenses que formavam uma atmosfera que remetia a grandiosidade da lendária discoteca Studio 54, de Steve Rubell, em Manhattam.

Estavam todos seguros e tinham um local para serem quem quisessem ser, eram os donos da festa.

Mas o fato é que esses gogoboys locais também tinham amigos que começaram a frequentar este ambiente depois que descobriram que os gays tinham muitas amigas bissexuais ou para fazer miche. E aos poucos começaram a invadir este habitat que não era deles. Ainda havia um respeito pelo local, estavam na casa dos “garotos alegres”, deviam seguir as regras da casa. E a partir daí surgia uma rede de network pela cidade estreitando os laços e diminuindo a dicotomia entre o mundo gay e o heterosexual.

A moda GLS e onde a consumir

Os jovens da cidade passaram a consumir a moda deste seguimento com ênfase na loja de roupas Bali Men, bem como salões de cabeleireiro que no início eram desconhecidos, mas cresceram muito com a frequência destes mesmos garotos que agora descobriam o mundo GLS, fato que aconteceu com o salão de beleza Hair Teen, assim como o surgimento de empresas de moda e agenciamento de modelos de propriedade do público GLS como a Fontaine, que passaram a lucrar com os famosos desfiles dos garotos e garotas mais bonitos das escolas.

Isso abriu espaço para jovens da cidade tornarem-se capa de revistas gays da capital, modelos de pinturas corporais, ajudantes de palco de programas famosos.

As boates mudavam constantemente de local e de nome, mas sempre com os mesmos proprietários e promotores por trás dos espetáculos.

Gran Pachá, Fubá no centro, The flag, the Flame, até o auge com a boate Victória, no distrito industrial, onde figuras emblemáticas faziam parte desta história como a transexual Penélope, que sempre estava presente auxiliando nas performances dos gogoboys, nas apresentações e nos shows.

As boates agora eram populares e motivo de curiosidade de grande parte dos jovens da cidade.

Tornaram-se, na visão daqueles que não conheciam este mundo, aparentemente um aquário, onde as pessoas iam para conhecer o “mundo novo” e também os espetáculos que agora eram grandiosos, com festas temáticas onde noites de praia tinham caminhões de areia despejados dentro da boate, pessoas trajando roupas de praia, carrinhos de picolé, espetáculos circenses, presença de famosos e os proprietários estavam ganhando muito dinheiro, mas o mundo estava mudando muito rápido.

O público GLS já não era mais o dono da festa.

A chegada dos celulares com câmeras digitais influiu também sobremaneira no ambiente, fazendo surgir o dark room, já que a orientação sexual não normatizada era motivo de curiosidade. Não havia mais total privacidade para o amor livre naquele espaço e o ponto alto da festa passou a ser escondido dentro do seu próprio ambiente, no dark room.

Até a figura do gogoboy passou agora a ser desvalorizada devido a lei de oferta e demanda.

Havia filas para se tornar gogoboy e alguns chegavam a se apresentar de graça, apenas para ter status de dançarino da boate, dançando suspensos em gaiolas a noite toda em troca de pouco dinheiro na boate Diesel.

Então, como tudo que deixa de ser exclusivo e se torna popular este novo mundo entrou em declínio. Até mesmo o crime organizado passou a frequentar este ambiente para o comércio de drogas, implementando uma lei da subcultura delinquente e propagando preconceitos dentro do ambiente.

Já não era mais uma boate GLS e os adeptos da oldscholl deixaram de frequentar o local. Para ter exclusividade passaram, então, a fazer um caminho inversamente proporcional; aqueles que queriam exclusividade passaram a ir à capital em busca de privacidade e segurança.

Assim, com o crescimento das pautas identitárias, o movimento GLS foi absorvido pelas micropolíticas da quarta onda do feminismo, tendo a sigla Lésbicas (lgbt) precedidas da sigla Gays (gls) para dar protagonismo feminino às pautas.

As paradas do orgulho gay começaram a se tornar populares e os garotos alegres saíram da sombra. Aqui jás a época de ouro das boates GLS francanas.

*Artigo de Gustavo Justino.

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