Pacientes com a forma severa da COVID-19, doença provocada pelo novo coronavírus, desenvolvem um intenso processo inflamatório em diferentes órgãos. Essa segunda fase da doença, que sucede o período de replicação do vírus nas células da pessoa infectada, ainda é pouco compreendida pelos cientistas. Pesquisadores da USP tentam investigar essa etapa a fim de, no futuro, propor tratamentos mais adequados para pacientes graves.
O projeto é conduzido no Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da Universidade de São Paulo (USP). Os pesquisadores investigam os mecanismos pelos quais as células de defesa do organismo humano respondem à infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). A pesquisa conta com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O CRID é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela Fapesp e sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
“Nos casos mais graves da COVID-19 pode haver um intenso processo inflamatório gerado em resposta à infecção pelo SARS-CoV-2 que acaba lesando os tecidos do paciente e piorando o quadro clínico. Nesses casos, o paciente pode ter desconforto respiratório, insuficiência renal ou problemas cardíacos. Precisa ser levado para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e pode chegar a óbito”, diz à Agência Fapesp Dario Simões Zamboni, pesquisador do CRID que lidera o estudo.
O quadro descrito por Zamboni, conhecido como “tempestade de citocina”, é caracterizado por uma resposta imunológica excessiva responsável por deixar alguns pacientes gravemente doentes. Normalmente, quando ocorre uma infecção, o sistema imune envia células para atacar o vírus e, assim, neutralizar o patógeno de forma localizada.
No entanto, com a tempestade de citocina, ocorre um aumento descontrolado no nível de proteínas e a indução de processos inflamatórios (as chamadas citocinas inflamatórias) intensos e generalizados, que pioram o quadro do paciente.
Teste de medicamento para gota
No projeto, os pesquisadores também vão explorar a possibilidade de usar o medicamento colchicina em um estudo clínico que será feito no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto com 60 pacientes. A colchicina é usada no tratamento de doenças inflamatórias, como a gota, pois inibe diversos processos relacionados com inflamação, incluindo a ativação do inflamassoma. Será realizado um estudo, duplo-cego randomizado, no qual metade dos pacientes será tratada com colchicina para avaliar os efeitos desse fármaco na COVID-19.
Em casos de gota, a colchicina inibe a ativação do inflamassoma. “A COVID-19 é uma doença nova e ainda não compreendemos exatamente como ocorre a ativação da fase inflamatória. Nosso objetivo é compreender esses processos e avaliar possíveis tratamentos para pacientes graves de COVID-19”, diz Zamboni.
Descobrir o que ativa a inflamação
Nos testes em cultura celular, os pesquisadores do CRID pretendem verificar a ocorrência de um mecanismo muito conhecido e que “dá o estalo para o início da inflamação” em doenças como zika e chikungunya e febre Mayaro, que são altamente inflamatórias.
“Temos experiência em investigar o mecanismo inflamatório de doenças. A hipótese é que, no caso da COVID-19, o sistema imune seja ativado por um mecanismo de defesa bastante estudado pelo nosso grupo, o inflamassoma”, diz Zamboni, que coordena outro projeto de pesquisa, apoiado pela FAPESP , que investiga o papel dos inflamassomas na patogênese de doenças causadas por patógenos intracelulares.
O inflamassoma é um complexo proteico existente no interior das células de defesa envolvido em doenças autoimunes, neurodegenerativas, alguns tipos de câncer e outras doenças infecciosas. Quando o inflamassoma – uma espécie de maquinaria celular – é acionado, moléculas pró-inflamatórias passam a ser produzidas para alertar o sistema imune sobre a necessidade de enviar mais células de defesa ao local da infecção.
O grupo de pesquisadores do CRID liderado por Zamboni descobriu no ano passado que, em pacientes infectados com o vírus Mayaro, essa maquinaria celular é acionada por meio da ativação da proteína NLRP3, que faz aumentar a produção da citocina inflamatória interleucina-1 beta (IL-1β), sinalizadora do sistema imune.
“Ainda não sabemos como se dá essa inflamação tão forte em uma parcela dos infectados pelo SARS-CoV-2. Existe uma suspeita e alguns indicativos de que o inflamassoma esteja participando desse processo inflamatório. Por isso, nossa estratégia será monitorar a resposta imune ao vírus em experimentos feitos com cultura celular e em amostras de pacientes com COVID-19”, diz.
De acordo com Zamboni, entre os possíveis indicadores de que o inflamassoma possa ser acionado em casos de COVID-19 está a grande produção de IL-1β em pacientes graves. “Há também estudos mostrando que pacientes com a doença apresentam no sangue alta quantidade da enzima lactato desidrogenase (LDH), normalmente encontrada no interior das células e não no soro sanguíneo. O fato de a LDH aparecer no sangue de pacientes sugere a ocorrência de um tipo de morte celular inflamatória chamado piroptose, que ocorre quando o inflamassoma é ativado”, diz.
Diferentemente da apoptose, que é uma morte celular fisiológica e que ocorre de maneira silenciosa, a piroptose alerta o sistema imunológico de que algo está errado. A indução desse tipo de morte inflamatória da célula é coordenada pelo inflamassoma, embora também existam outros tipos de morte celular inflamatória independentes do inflamassoma.
*Matéria governo de São Paulo