As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) vêm ganhando as páginas de veículos de comunicação, espaço em hortas urbanas e no cardápio de cada vez mais chefs, mas, segundo conhecedores do assunto, ainda existe um grande desconhecimento sobre elas por parte de potenciais produtores e consumidores. Atualmente, no Estado de São Paulo, o plantio delas está ocorrendo na região de Campinas, mas há interesse da Secretaria de Agricultura e Abastecimento em expandir a cultura para outras regiões e especialistas estão sendo colocados a disposição para consultoria.
Ano passado, em outubro, houve palestra sobre o plantio de PANCs em Ribeirão Preto com o engenheiro agrônomo da Divisão de Extensão Rural da CDRS, Osmar Mosca Diz.
Ao ouvir o nome, a primeira pergunta que muitos se fazem é: o que é PANC? Isso em razão do vocabulário restrito a populações rurais tradicionais, bem como de relatos de pais e avós, com histórico de trabalho na “roça”, na longínqua infância de muitos de nós.
Segundo o “Manual de Hortaliças Não Convencionais”, publicado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em 2010, “as hortaliças não convencionais são aquelas com distribuição limitada, restrita a determinadas localidades ou regiões”, se constituindo em “espécies que não estão organizadas enquanto cadeia produtiva propriamente dita, não despertando o interesse comercial por parte das empresas de sementes, fertilizantes ou agroquímicos”.
“A importância das PANCs se baseia no grande potencial agrícola a ser desenvolvido, sobretudo como proposta para a diversificação das pequenas propriedades rurais; e também no valor alimentar e nutricional que detêm e a sua relação direta com a boa saúde, o que as tornam ainda mais essenciais neste momento vivido com a COVID-19, em que fortalecer o sistema imunológico deve ser uma prioridade. Por isso, enriquecer os canteiros com essas plantas é contribuir para a sustentabilidade dos agroecossistemas, bem como investir na diversificação da alimentação”, explica o engenheiro agrônomo Osmar Mosca Diz, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, que atua na Divisão de Extensão Rural (Dextru) da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS).
Diversificação
Pensando nos pequenos agricultores, o agrônomo avalia que essas plantas representam uma importante opção para diversificar a produção agrícola, pois são alimentos natos e com baixo custo de produção, que agregam valor e renda, podendo ser comercializadas em cestas verdes, mercados, feiras livres orgânicas, programas institucionais de compra direta etc. “Isso representa um grande desafio e uma rica oportunidade de trabalho a ser desenvolvido pela extensão rural”, avisa Osmar.
Falando para o público em geral, ele salienta que cultivar algumas dessas plantas no jardim, em uma pequena horta (no quintal de casa ou até mesmo em uma praça pública), representa uma contribuição para o resgate e a valorização de um conhecimento tradicional, além de uma atitude responsável no sentido de não se deixar perder um material genético vigoroso, diversificado e valioso em termos nutritivos e da própria biodiversidade. “Seus ramos, mudas, matrizes e sementes são um patrimônio e preservá-lo é sinal de inteligência, cidadania, soberania, segurança alimentar, educação, saúde e cultura”, pontua.
Nesse sentido, há muito a se fazer em termos de divulgação e promoção das PANCs entre as comunidades e a sociedade em geral, por meio de campanhas, implantação de hortas e plantios demonstrativos, oficinas culinárias, troca de mudas e sementes, entre outras atividades.
Desde 2012, algumas dessas ações são realizadas no âmbito do Projeto “Fazendinha Feliz”, instalado na sede da CDRS em Campinas, onde são cultivadas diversas espécies de PANCs (na maioria dos casos, hortaliças) em um espaço em que se realizam, durante o ano, oficinas de estudo, identificação e preparo de receitas, visitas técnicas e distribuição de mudas, entre outras atividades. “No momento, por conta da pandemia e da necessidade de distanciamento social, temos realizado ações online e com nosso grupo de estudos, que inclui educadores, interessados e produtores, por meio dos quais também trabalhamos temas relacionados à meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão nativas do Brasil)”, conta Osmar.
Outra entidade que atua na divulgação das PANCs é o Projeto Viva PANC/Instituto Sempre Viva, de Itápolis, que realiza simpósios, encontros e eventos culinários. “Nosso objetivo é difundir essas plantas, incentivando o consumo e mostrando sua viabilidade para produção comercial. É preciso mudar os paradigmas dos produtores e consumidores, criar um mercado e abrir caminho para o acesso a essas plantas. Mantemos um matrizeiro e promovemos trocas de sementes com produtores de diversas cidades paulistas”, explica Érika Taguchi. As ações podem ser acessadas no Instagram: Projeto Viva PANC/Instituto SempreVivva.
Destaques
Entre as espécies de PANC – que têm as hortaliças como principais destaques, mas que também incluem legumes, raízes e tubérculos, as quais também são conhecidas como “ruderais” ou “tradicionais” – estão beldroega, bertalha, ora-pro-nobis, capuchinha, mangarito, taioba, caruru, vinagreira, peixinho, almeirão de árvore.
“Existem muitas outras, algumas das quais tidas como ‘mato’ ou até mesmo ‘plantas daninhas’, mas que na verdade são valiosas, nutritivas e podem contribuir no combate à fome e enriquecer a merenda das escolas, das famílias e das comunidades (rurais e urbanas), sobretudo entre as populações com maior vulnerabilidade social”, avalia Osmar.
No que se refere ao cultivo, essas plantas, na maioria dos casos, são rústicas, de fácil dispersão e propagação, requerendo poucos cuidados na comparação com a maioria das plantas convencionalmente cultivadas, tais como alface, couves, repolhos ou tomates.
“Muitas dessas PANCs podem ocorrer até mesmo de maneira subespontânea em nosso meio, quer seja nas beiras das calçadas, nos terrenos baldios, nos quintais, em canteiros cultivados das hortas, nos jardins. É um importante sinal para o qual devemos olhar com mais atenção, pois demonstra a viabilidade técnica para seu cultivo”, explica Osmar.
Entre as principais espécies de PANCs, destaca-se a ora-pro-nobis, também conhecida como “lobrobó” e “bife dos pobres”, em razão de seu valor nutricional. “Trata-se de uma planta nativa nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, pertencente à família botânica das Cactaceas, cujo nome científico é Pereskiaaculeata”, explica o agrônomo, destacando que a planta é um arbusto semilenhoso perene, espinhoso e ramificado, podendo se comportar como trepadeira.
Os frutos são pequenas bagas amarelas, contendo espinhos facilmente removíveis. É uma planta rústica, que se adapta a vários tipos de solo e situações climáticas. Além do seu alto valor como alimento, apresenta-se também como ótima opção como pasto para a meliponicultura e apicultura, na confecção de cerca-viva e como jardim ornamental comestível.
Em usos culinários, as folhas de ora-pro-nobis podem ser utilizadas em refogados e no preparo de cuscuz, omeletes, tortas, pães, bolos etc. Os frutos podem ser utilizados no preparo de sucos e geleias; e as flores também são comestíveis. “As folhas são ricas em proteínas, aminoácidos essenciais e minerais como ferro, potássio, cálcio, magnésio, entre outros. Os frutos são ricos em carotenoides e, quando imaturos, fonte de vitamina C”, diz. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail osmar.diz@cdrs.sp.gov.br.
Assentamento
Em um assentamento, conhecido como modelo único no país por estar situado em áreas urbana e periurbana, um grupo de 15 famílias do Parque Itajaí 4, em Campinas (cidade a 100 km da capital paulista), cultiva hortaliças, frutas e plantas aromáticas em Sistema Agroflorestal (SAF); no local, o som dos pássaros e de outros animais emerge acima dos ruídos das avenidas e rodovias movimentadas do bairro.
Membros da Associação de Produtores de Agricultura Urbana e Periurbana de Campinas e Região – Cio da Terra, os produtores mantêm uma horta comunitária há mais de 10 anos no local. “Desde antes da oficialização do assentamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Incra], em 2010, nós já cuidávamos da área e das plantas, pois entendemos o valor da natureza para as nossas vidas, principalmente em uma região urbana e industrializada”, explica Orlando Santos, nutricionista e conselheiro da Associação.
Entre os produtos cultivados – que formam as cestas-verdes as quais abastecem casas da comunidade no entorno e de outras regiões da cidade, além de restaurantes, feiras, instituições e entidades parceiras da Associação – estão as PANCs.
“Não temos uma produção direcionada dessas plantas, algumas nascem de maneira espontânea e outras são semeadas, mas sabemos que temos uma riqueza em nossos canteiros. Nossas PANC– que florescem entre alfaces, couves e almeirão – são a capuchinha, o caruru, a taioba, ora-pro-nobis, serralha etc. Com elas, diversificamos a nossa cesta de produtos com alimentos nutritivos e as nossas famílias também consomem”, explica João Morais Pereira, de 63 anos, que coordena a horta e produz, junto com a esposa Valdivina, enfatizando que, apesar dessa inclusão, muitos consumidores ainda não conhecem as PANC.
“Há alguns dias, entreguei uma cesta e o comprador me encheu de perguntas sobre as plantas ‘diferentes’ sobre as quais nunca tinha ouvido falar”, completa.
Orlando Santos confirma essa “invisibilidade”. “Notamos um grande desconhecimento sobre essas plantas. Identificamos que apenas pessoas com mais idade e que tiveram experiência com o trabalho na ‘roça’ ou algumas que pertencem aos círculos nos quais esse conhecimento é difundido, sabem e reconhecem o seu valor”.
Produção
Orlando ressalta a importância do trabalho da extensão rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por meio da CDRS, e de outras entidades como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Os extensionistas nos dão um grande apoio técnico na área de produção agroecológica e também com os eventos que promovem, tanto relativos aos cultivos convencionais quanto no que diz respeito às PANCs. Para ampliar o conhecimento, as campanhas direcionadas aos produtores e consumidores são sempre muito bem-vindas, pois acho que o problema de não existir uma produção organizada e maior demanda das pessoas se dá por questões culturais”, diz o nutricionista, cujo comentário pode ser traduzido pela frase: “PANC não é mato, é alimento de qualidade”.
João Pereira incentiva o consumo das PANCs e o apoio às pequenas produções familiares. “Aqui, as famílias obtêm mais que sustento material neste pedacinho de terra, pois entendemos que é uma dádiva ser produtor e levar um alimento saudável para as pessoas”, finaliza. Mais informações podem ser obtidas pelo WhatsApp: (19) 99323-2918.
*Matéria governo de São Paulo, com F3 Notícias
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